sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Regen 1929 de Joris Ivens

REGEN 1929 Na próxima sexta-feira, dia 11 de outubro ás 12 horas com entrada franca no auditório da galeria de arte do DMAE, rua 24 de Outubro, 200 o grupo Dimensão Experimental vai performar com musical autoral ao vivo um clássico do cinema avant-garde, o filme Regen (1929) de Joris Ivens. A apresentação faz parte da programação de cinema da instituição. Após o grupo Dimensão Experimental, vai realizar um pequeno bate papo com o público sobre o filme, falando da relação deste com a água e como o grupo trabalhou e criou a trilha sonora. No ano passado o Dimensão Experimental apresentou no DMAE o filme H2O (1929) de Ralph Steiner. H2O e Regen são considerados como os primeiros filmes a tratarem no cinema de temas ambientais. O projeto Música, Cinema e Memória de autoria do grupo Dimensão Experimental tem por objetivo o resgate da linguagem do cinema silencioso, criando e executando ao vivo trilhas sonoras autorais feitas exclusivamente para filmes dos primeiros anos do cinema.--------------------------------------------------- Regen (14 minutos de 1929) de Joris Ivens ----------------------------------------------- Música Regen (Farina/Dutra) Arranjos Dimensão Experimental--------------------------------------------- DIMENSÃO EXPERIMENTAL é formado por; Klaus Farina - Teclados/Guitarra/Flautas/Programação Álvaro Sabóia - Teclados/Gaita de Boca Mozart Dutra - Percussão Acústica ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Em 1929, quando o cinema migrava para o sonoro, um jovem documentarista holandês, Joris Ivens, realizou um pequeno milagre chamado Regen (Chuva). O filme, de 14 minutos, ainda mudo, foi o resultado de meses a fio de filmagem meticulosamente editada. E tem como trunfo um ritmo exuberante que busca acompanhar a importância da água dentro da paisagem e do quotidiano de uma cidade tão marcada pela presença dela como Amsterdã. O dispositivo adotado por Ivens passa sobretudo pelo de aproximar a água da chuva de outras superfícies igualmente úmidas ou refratárias dessa umidade: canais, calhas, poças, cisternas, clarabóias, coxias, vitrines, vidraças, o asfalto molhado, etc. Num dos planos mais belos, capta-se o rastro de luz que água deixa sobre a cobertura preta dos guarda-chuvas. A chuva mercadejando com transparências: o vidro, a lisura líquida dos espelhos [será que dessa placidez líquida vem a expressão “espelho d’água”?]. Boa parte da poesia de Regen vem dessa refração. Uma notícia cifrada em água. Em água caindo sobre água. E, assim, o filme de Ivens recompõe com que uma sorte de poesia metereológica muito simples e sua: os ritmos dessa cidade profundamente afetada tanto pela água que cai, quanto pela que lhe meandra em margens e direções diversas. A cidade dos canais. [Amsterdã quer dizer “foz em delta do Rio Armst”]. Coordenadas cartesianas imaginadas sob a perspectiva do úmido. E, depois, desorientadas sob uma poesia curva, que implicaria numa desaprovação do austero Mondrian – para mencionar outro mestre holandês. Talvez. A chuva tem esse dom sumpremo de instalar talvezes no espírito. O que mais encanta em Regen são os ritmos. Gente afetada pela chuva. Convivendo com ela de diferentes modos. E, como, diria Bresson, os ritmos são todo-poderosos, traduzem “o vento invisível através da água que ele esculpe passando”. Como, em Regen, as três meninas que passam sob uma única capa de chuva distendida sobre suas cabeças. E cujos passos gentis são marcados por um ritmo indelevelmente quebrado, uma única vez, pela dissonância de um passo em falso – quase como se, de fato, entrasse, por meio desse passo avulso, a nota azul do jazz na harmonia da progressão. Mas antes disso há um prefácio. Entrevemos as nuvens densas se entrelaçando acima da cidade, e um avião abrindo sua via por um vão estreito no meio delas. E, então, em terra, o vento sopra forte na copa das árores, em roupas num varal improvisado sobre um convés de barco ancorado, um lençol estendido estufa-se diante de velhas fachadas, bandeiras despregam-se, a lona de um toldo quase é arrancada de sua armação, um bando de passáros sobrevoa em formação os velhos prédios de onde os holandeses saíram para uma saga marítima que quase rivaliza com a dos portugueses. E há esse plano em que a balaustrada de uma ponte, com uma luminária, destaca-se, oscilando suavemente sobre a água de um canal por não mais de quatro segundos. Mas esses segundos estão entre os mais preciosos – e precisos – da história do cinema e desse filme adorável. Regen é o filme de catorze minutos em que cada minuto concentra um século de lições de cinema. E não ao modo didático, frenético de um Vertov [que, de resto, não é menos instigante]; mas com a poesia, a gentileza e a humanidade dos dias em que o espírito se faz paz. E o mundo se reconcilia dentro da gente.

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